Essa é uma ótima pergunta e um ponto teológico interessante! A questão do "arrependimento de Deus" em 1 Samuel 15:29 e 15:35 se refere a algo que, à primeira vista, parece contraditório. No versículo 29, Samuel diz que Deus não se arrepende ("pois Ele não é homem, para que se arrependa"), mas no versículo 35, lemos que Deus "se arrependeu de ter posto Saul como rei sobre Israel".
Primeiro precisamos entender que em 1 Samuel 15:29, o termo hebraico é נִחַם (niḥam) é uma forma diferente do verbo נָחַם (nacham) usado em 1 Samuel 15:35. Ambos vêm da mesma raiz, mas têm nuances diferentes no contexto.
O verbo niḥam (נִחַם) é uma forma de nacham e é traduzido como "arrepender-se", mas é usado para enfatizar que Deus não se arrepende no sentido humano. A ideia que Samuel está transmitindo é que Deus não age como o ser humano, que pode mudar de ideia ou mudar de direção devido a falhas ou enganos. Deus é imutável em Sua natureza e, portanto, não "se arrepende" no sentido de mudar de plano ou de opinião por causa de erro ou falha.
Em 1 Samuel 15:35 nacham (נָחַם) implica que Deus "lamenta" ou "se entristece" devido à desobediência de Saul. Ele "lamenta" Sua escolha de Saul, mas isso é uma expressão figurativa para descrever a resposta de Deus à falha de Saul, sem sugerir que Deus tenha cometido erro ou mudado de opinião sobre Seus planos eternos. O nacham indica uma resposta emocional de Deus ao fracasso humano, não uma mudança de caráter ou de propósito divino.
Deus não "se arrependeu" no sentido humano de mudar de opinião, mas "lamentou" a situação, já que Sua escolha de Saul não resultou no cumprimento do plano de Deus. Quando a Bíblia diz que Deus "se arrependeu" (usando nacham), significa que Ele alterou a maneira como interagia com o rei Saul. Em resposta à desobediência de Saul, Deus decidiu rejeitá-lo como rei, demonstrando uma mudança na ação divina, mas não na Sua vontade ou caráter imutável.
A tradução para o português, ao utilizar "arrependimento", tenta abranger essas diversas nuances, mas ao traduzir niḥam e nacham como "arrependimento", muitas vezes não transmite totalmente a ideia de um lamento ou ajuste nas ações de Deus, sem indicar uma mudança de caráter ou plano divino.
A questão do "arrependimento de Deus" tem sido discutida por muitos teólogos e escritores ao longo da história da teologia cristã. Abaixo estão algumas citações de teólogos e estudiosos que abordam essa questão, com diferentes enfoques:
A.W. Tozer: - "Deus nunca muda, nem pode mudar, mas Ele usa a linguagem humana para se comunicar conosco de maneira que possamos entender. Quando Ele ‘se arrepende’, está expressando Seu pesar pelo mal que ocorre em Seu mundo, não uma mudança de intenção ou de propósito."
C.S. Lewis: - "Embora Deus seja imutável, Ele é também pessoal, e como tal reage ao comportamento humano. Sua resposta ao pecado e à desobediência não é uma mudança de planos, mas um reflexo da Sua justiça e do Seu amor. Quando a Bíblia diz que Deus ‘se arrepende’, ela não está sugerindo que Ele tenha feito algo errado, mas que Ele age em resposta às escolhas humanas."
Augustus H. Strong: - "Deus nunca se arrepende no sentido humano de mudar Sua mente, pois Ele é perfeitamente sábio e imutável. Quando se diz que Deus ‘se arrepende’, isso indica uma mudança na maneira como Ele lida com o homem, mas não uma mudança em Seus próprios planos ou propósitos eternos."
Assim, quando a Bíblia diz que Deus "se arrepende", ela fala de uma mudança em Sua relação ou resposta a eventos históricos, refletindo tristeza ou lamentação, e não uma mudança de caráter ou propósito. O "arrependimento" de Deus não nega Sua imutabilidade, mas revela Seu envolvimento emocional e pessoal com a humanidade e Sua justiça diante do pecado.
A Bíblia usa uma linguagem antropomórfica para descrever como Deus interage com a humanidade, sem que isso implique falhas ou mudança em Seus planos eternos. Logo, o arrependimento de Deus é uma forma de mostrar Sua resposta ao pecado humano, mas sempre dentro do Seu propósito soberano e imutável.
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